BRASÍLIA - O ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Flávio Dino propôs nesta quarta-feira (11) um novo entendimento sobre a responsabilidade civil das plataformas digitais no julgamento que discute o artigo 19 do Marco Civil da Internet. 

Em seu voto, Dino defendeu que empresas de tecnologia como Google, Meta e X, entre outras big techs, possam ser responsabilizadas não apenas quando notificadas por ordem judicial, mas também diante de falhas estruturais e conteúdos claramente ilícitos, especialmente quando envolvem perfis falsos, anúncios pagos ou crimes graves.

O ponto central da proposta de Dino está na limitação do artigo 19 do marco civil da internet – que atualmente protege as plataformas contra responsabilização, exceto se houver descumprimento de ordem judicial – apenas aos casos de crimes contra a honra, como calúnia, difamação e injúria. 

Em todos os demais casos analisados, inclusive conteúdos patrocinados, crimes contra crianças, apologia ao terrorismo e ataques ao Estado democrático de direito, Dino sustenta que as big techs, detentoras de redes sociais, podem e devem ser responsabilizadas, mesmo sem ordem judicial.

“O provedor que permite anúncios pagos com conteúdos ilícitos, ou tolera perfis anônimos criados para escapar da responsabilização, age com culpa”, afirmou ele, no quinto voto apresentado até agora no julgamento.

Já haviam votado até então os relatores das duas ações que estão sendo julgadas sobre o tema na Corte, Dias Toffoli e Luiz Fux, o presidente Luís Roberto Barroso, e o ministro André Mendonça. Os três primeiros seguiram o entendimento de total ou parcial regulação do artigo 19, enquanto Mendonça entendeu que a lei é constitucional, propondo apenas alguns parâmetros para a interpretação da legislação.

A sessão de julgamento desta manhã foi suspensa e será retomada a partir das 14h com o voto do ministro Cristiano Zanin. O ministro Nunes Marques já havia informado que precisaria de mais tempo para analisar os votos declarados, sem necessariamente pedir vista e parar o processo de votação.

Há expectativa que Gilmar Mendes adiante seu voto e que o julgamento só seja concluído, segundo informou Barroso, quando a ministra Cármen Lúcia, ausente do tribunal esta semana, esteja presente. 

Responsabilidade por falhas sistêmicas

O voto traz um conceito-chave: “falha sistêmica”. Segundo Dino, quando há omissão das plataformas na adoção de medidas preventivas adequadas – com base no que a tecnologia atual permite –, há violação do dever de cuidado, gerando responsabilidade civil. Isso vale especialmente para:

  • Crimes contra crianças e adolescentes;
  • Indução ao suicídio ou automutilação;
  • Atos de terrorismo;
  • Incitação à violência ou ameaça contra o Estado Democrático de Direito.

Para o ministro, a negligência diante desse tipo de conteúdo não pode ser tratada como eventual. “Se o provedor ignora sua obrigação de prevenir e combater conteúdos ilegais, ele responde pelos danos causados”, sustentou.

Perfis falsos, bots e conteúdos impulsionados

Dino também propôs responsabilização objetiva nos casos em que os próprios mecanismos da plataforma são utilizados para veicular ilícitos. Isso inclui:

  • Perfis anônimos ou falsos, em desacordo com o artigo 5º, inciso IV da Constituição, que garante liberdade de expressão, mas não o anonimato;
  • Postagens patrocinadas e anúncios pagos com conteúdo ilegal.

Nesses casos, o voto dispensa a necessidade de prévia notificação judicial para que haja responsabilização, com base no Código Civil. Segundo Dino, a lógica é clara: quando o próprio provedor lucra ou viabiliza diretamente a disseminação de conteúdo ilícito, não pode se esconder atrás do argumento da neutralidade.

Autorregulação obrigatória e transparência

Outro ponto central da proposta é a imposição de deveres de autorregulação obrigatória às plataformas. Dino defende que empresas criem sistemas de notificação, processo interno de revisão e relatórios anuais de transparência. As regras devem ser públicas, íveis e revistas periodicamente.

Até que o Congresso aprove uma lei específica sobre o tema, o cumprimento dessas obrigações será fiscalizado pela Procuradoria-Geral da República.

Direito de resposta e equilíbrio

Apesar da rigidez nas exigências, o ministro preserva o direito à contestação por parte dos usuários. Caso um conteúdo seja removido injustamente, o autor pode pedir sua restauração na Justiça, e não haverá indenização contra o provedor se a decisão judicial mandar republicar o conteúdo.

Impacto e próximos os

O voto de Dino propõe uma virada no entendimento do STF sobre o papel das redes sociais no ecossistema digital. Se for seguido por outros ministros, plataformas deixarão de ser apenas “hospedeiras neutras” de conteúdo e arão a ser co-responsáveis pela integridade do espaço público digital.

A decisão do Supremo terá repercussão geral, ou seja, valerá para todo o país e guiará o futuro das regras sobre desinformação, discurso de ódio e responsabilidade na internet.